Em uma decisão que promete mudar o cenário do uso de medicamentos para diabetes e emagrecimento no Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) anunciou que, a partir dos próximos 60 dias, será obrigatória a retenção da receita médica para a venda de medicamentos como Ozempic e Wegovy.
A medida surge em resposta à crescente preocupação com o uso indiscriminado dessas medicações, especialmente para fins estéticos e sem acompanhamento médico adequado. Mais do que uma mudança burocrática, a nova norma reforça o papel fundamental dos médicos na orientação e no monitoramento rigoroso dos tratamentos com agonistas do receptor GLP-1, como a semaglutida.
Entenda a Decisão da Anvisa
Até então, medicamentos como Ozempic e Wegovy, embora classificados como tarja vermelha (uso sob prescrição), podiam ser comprados nas farmácias apenas com a apresentação da receita — sem a obrigatoriedade de sua retenção.
Com a nova resolução, o procedimento será semelhante ao que já é adotado para antibióticos:
- A receita deverá ser emitida em duas vias.
- A farmácia reterá uma das vias no momento da venda.
- A receita terá validade de 90 dias.
- As vendas serão monitoradas pelo Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC).
A decisão é uma resposta direta ao uso excessivo e inadequado desses medicamentos no país. Um levantamento do Datafolha apresentado à Anvisa revelou números preocupantes:
- 45% dos usuários de Ozempic e Wegovy usam sem prescrição médica.
- 73% nunca receberam qualquer orientação profissional sobre o uso desses medicamentos.
- 56% utilizam as medicações exclusivamente para emagrecimento.
Esses dados acenderam um alerta tanto no Brasil quanto em agências reguladoras internacionais, como a FDA (Estados Unidos) e a autoridade de saúde da Austrália.
O Problema do Uso Indiscriminado
Embora os medicamentos à base de semaglutida tenham revolucionado o tratamento da obesidade e diabetes tipo 2, seu uso sem acompanhamento pode gerar sérios riscos à saúde. Entre os principais efeitos adversos monitorados estão:
- Distúrbios gastrointestinais graves
- Inflamações pancreáticas
- Riscos elevados em procedimentos anestésicos
- Pneumonia por aspiração
- Complicações cardiovasculares
Além disso, a popularização do uso “off-label” (fora das indicações aprovadas) para emagrecimento rápido gerou uma escassez do medicamento para pacientes que realmente dependem dele para o tratamento do diabetes tipo 2.
Essa distorção no uso não é apenas um problema de saúde pública, mas também uma questão ética e de responsabilidade médica.
O Papel do Médico diante da Nova Regra
A decisão da Anvisa traz à tona a importância crucial do médico em diversas frentes:
- Orientar o paciente sobre os riscos e benefícios do tratamento com semaglutida.
- Avaliar criteriosamente se o uso do medicamento é indicado para cada perfil de paciente.
- Prescrever de forma responsável, deixando clara a necessidade de acompanhamento contínuo.
- Monitorar efeitos colaterais e ajustar a dosagem ou mesmo interromper o tratamento, se necessário.
Com a retenção da receita, o médico também passa a ter sua prescrição documentada de forma mais rigorosa, o que aumenta a responsabilidade sobre o acompanhamento correto do paciente.
Não basta apenas prescrever: é fundamental educar o paciente sobre as expectativas reais, os cuidados necessários e os possíveis efeitos adversos do tratamento.
Uma Reflexão sobre a Medicalização da Estética
É inegável que a busca por soluções rápidas para emagrecimento tem impulsionado o uso impróprio de medicamentos como o Ozempic. Redes sociais, celebridades e influenciadores digitais colaboraram para transformar uma ferramenta terapêutica séria em um “milagre da estética”.
Esse fenômeno expõe ainda mais a necessidade de responsabilidade médica na hora de avaliar pedidos de pacientes que, muitas vezes, desejam usar a medicação sem indicação clínica real.
O médico deve ser o guardião da saúde do paciente — e, em momentos de pressão social, é ainda mais importante manter a ética e a segurança acima de qualquer demanda estética.
O Futuro do Uso da Semaglutida
Com a nova regulamentação, espera-se:
- Redução do consumo indiscriminado.
- Maior rastreabilidade das prescrições e do uso real dos medicamentos.
- Melhor disponibilidade do medicamento para os pacientes que realmente precisam.
- Maior conscientização pública sobre o uso responsável de terapias para diabetes e obesidade.
Essa medida também pode incentivar um debate mais amplo sobre a medicalização da estética e o papel da medicina baseada em evidências no enfrentamento da obesidade como doença crônica, e não como questão meramente estética.
Conclusão
A obrigatoriedade da retenção da receita para medicamentos como Ozempic e Wegovy é uma vitória para a medicina responsável e para a proteção da saúde pública. Cabe agora aos médicos reforçarem seu compromisso com o uso consciente dessas terapias.
Mais do que prescrever, é hora de educar, acompanhar e garantir que cada paciente seja tratado com segurança, responsabilidade e humanidade.