Dependência em Apostas: Um Desafio Crescente para a Saúde Mental no Brasil

O aumento expressivo no número de atendimentos a dependentes de apostas no Sistema Único de Saúde (SUS) reflete uma preocupação crescente com os impactos das apostas no comportamento e saúde mental da população brasileira. Dados recentes revelam que o número de atendimentos cresceu sete vezes desde 2020, especialmente entre mulheres, evidenciando mudanças nos padrões de dependência e novos desafios para o sistema público de saúde.

Um Panorama da Dependência em Apostas no SUS

De acordo com dados divulgados até julho de 2024, o SUS registrou 464 atendimentos a dependentes de apostas. O número contrasta fortemente com os registros de 2020, que somavam apenas 59 casos. Entre esses atendimentos, 256 envolveram mulheres, superando os 208 atendimentos registrados para homens. Este aumento acentuado entre as mulheres chama a atenção para um fenômeno que há muito tempo tem sido associado majoritariamente aos homens.
Essa mudança de perfil pode estar relacionada à popularidade de jogos de resposta rápida, como o “tigrinho”, que são preferidos por mulheres. Em contrapartida, homens, especialmente jovens, tendem a se envolver mais com apostas esportivas. Independentemente do tipo de jogo, o comportamento compulsivo é alimentado pela ativação do sistema límbico no cérebro, liberando dopamina e criando um ciclo viciante.

O Impacto da Dependência em Apostas na Saúde Mental

A dependência em jogos de azar é uma condição que pode trazer graves consequências para a saúde mental, além de impactos sociais e financeiros. Pessoas com esse tipo de compulsão frequentemente enfrentam ansiedade, depressão e problemas em suas relações pessoais e profissionais. A psicóloga Mirella Martins de Castro Mariani, do Instituto de Psiquiatria da USP, destaca que o estímulo à dopamina nos jogos de azar contribui para o desenvolvimento do vício, tornando difícil para os indivíduos se libertarem do ciclo compulsivo.

Ações Regulatórias e o Papel da Publicidade

A regulamentação das apostas online no Brasil busca controlar o acesso e minimizar os danos causados pela prática. Atualmente, o uso de crédito para apostas é proibido, e os pagamentos devem ser feitos por cartões de débito ou pré-pagos. Além disso, o acesso é restrito a maiores de idade, e a publicidade não pode incentivar ideias como o enriquecimento rápido.
Embora essas medidas sejam importantes, especialistas alertam que apenas a regulamentação não é suficiente para combater os danos causados pela dependência. É necessário fortalecer programas de prevenção e ampliar o acesso ao tratamento para os indivíduos afetados.

Desafios para o SUS e os Centros de Atendimento

O aumento da demanda por atendimento de dependentes de apostas apresenta um desafio significativo para o SUS. Centros especializados, como o Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), enfrentam dificuldades para atender a todos os pacientes devido à falta de recursos e infraestrutura. Esses desafios foram exacerbados pela pandemia de COVID-19, que redirecionou parte dos esforços de saúde pública para o combate à crise sanitária.
Uma das soluções apontadas por especialistas é ampliar a capacitação de profissionais nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) para atender esse perfil de paciente. Isso incluiria a oferta de treinamento específico para lidar com os aspectos únicos da dependência em jogos de azar.

A Importância de Ampliar a Rede de Apoio

A crescente demanda por atendimento também ressalta a necessidade de uma abordagem integrada entre os sistemas público e privado de saúde. Como ressaltou Lenise Barcellos de Mello Secchin, secretária-executiva da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o paciente atendido no SUS ou na rede suplementar pode ser o mesmo. Por isso, a interoperabilidade entre os sistemas é essencial para melhorar os resultados e reduzir custos, evitando, por exemplo, a duplicação de exames e diagnósticos.
Essa integração seria benéfica tanto para o SUS quanto para os pacientes. A troca eficiente de dados e informações poderia garantir que os pacientes recebam um atendimento mais rápido e eficaz, independentemente de onde estejam sendo atendidos.

O Papel da Prevenção e da Educação

Além de tratar os casos já existentes, a prevenção desempenha um papel fundamental no enfrentamento da dependência em apostas. Campanhas de conscientização sobre os riscos do jogo excessivo e a oferta de informações sobre alternativas de lazer e entretenimento podem ajudar a reduzir o número de pessoas que desenvolvem o vício.
Educar as populações mais vulneráveis, incluindo jovens e mulheres, sobre os riscos associados às apostas é essencial para combater o problema em sua raiz. Além disso, é necessário abordar os fatores que contribuem para o vício, como o fácil acesso a plataformas de apostas online e a glamourização do jogo em campanhas publicitárias.

Exemplos de Sucesso e Possíveis Soluções

Países como o Reino Unido e os Estados Unidos têm implementado medidas rigorosas para combater a dependência em apostas, incluindo a criação de programas de autoexclusão, onde os indivíduos podem voluntariamente se inscrever para serem bloqueados de acessar plataformas de apostas. Essas iniciativas poderiam ser adaptadas para o contexto brasileiro, com o objetivo de oferecer suporte adicional para aqueles que desejam superar a dependência.
No Brasil, programas de atendimento psicológico e psiquiátrico devem ser fortalecidos para lidar com o aumento da demanda. Além disso, a ampliação da oferta de vagas em centros especializados e a integração de tecnologias digitais para monitoramento e apoio contínuo aos pacientes poderiam fazer uma diferença significativa.

Conclusão: Um Desafio que Exige Respostas Rápidas e Eficazes

O aumento de atendimentos a dependentes de apostas no SUS reflete uma crise crescente que exige respostas rápidas e eficazes. Embora a regulamentação das apostas online seja um passo importante, ela precisa ser acompanhada por investimentos em prevenção, tratamento e educação para mitigar os danos causados pelo vício.
A integração entre os sistemas público e privado, a capacitação de profissionais da saúde e a ampliação da rede de apoio são fundamentais para enfrentar o desafio. Com um esforço conjunto, é possível oferecer o suporte necessário para aqueles que sofrem com a dependência, ao mesmo tempo em que se trabalha para prevenir novos casos.
O compromisso com a saúde mental e o bem-estar dos brasileiros deve ser a prioridade, garantindo que o sistema de saúde pública seja capaz de atender a essa demanda crescente e de oferecer um futuro mais saudável para todos.

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